(acima, grupo de violonistas em festival recém realizado)
Combatendo a ideia errônea
Você já ouviu dizer que violão clássico se toca na perna esquerda e o popular na direita? Se você acreditou nisso, saiba que não é verdade. A postura ao se tocar violão depende muito mais da busca por saúde e eficiência técnica do que do gênero de música que você toca.
Este é outro daqueles assuntos que demandariam um livro para serem destrinchados em suas minúcias. Minha intenção aqui, contudo, é apenas transmitir uma ideia simples para o inciante de violão ou o violonista popular mais experiente que quer fazer a transição para o violão clássico: não existe apenas uma maneira correta de se posicionar o instrumento na hora de tocar violão (clássico ou não!).
O maior problema de acreditar que a chamada posição tradicional é a única correta (violão na perna esquerda, que se apoia sobre o banquinho) é que, dependendo de como você aplica essa postura, ela pode ser inclusive nociva à sua saúde. Não são poucas as histórias de gente que, mesmo sentindo dores ao tocar nessa posição, seguiu tocando assim, agredindo o próprio corpo, por acreditar que aquela era A maneira certa de se tocar violão clássico. Ou seja, ideias equivocadas podem trazer prejuízos concretos às pessoas.
A ideia de que, ao tocar violão clássico, basta adotar a postura citada acima e tudo está resolvido é perigosa por isso: os estudantes deixam de pesquisar e experimentar alternativas, e podem assim prejudicar a própria saúde. Minha intenção não é combater a postura tradicional em si, já que é possível alcançar uma maneira saudável de tocar através dela. Quero combater apenas o mito de que ela é a “correta” ao se tocar violão clássico.
Você encontra esse tipo de afirmação equivocada em muitos vídeos e cursos online pela internet, por isso é importante não acreditar em tudo que lê ou vê por aí (aliás, não acredite cegamente nem mesmo NESTE texto! Se discordar de algo, deixe nos comentários e tentaremos chegar ao consenso juntos.)
Pesquisa sobre postura é antiga e permanece viva
Não me importa agora discutir de onde vem esse mito, mas acredito que o fato de Andrés Segovia tocar com o violão na perna esquerda ajudou a consolidar a ideia de que isso é uma regra, já que ele é praticamente a representação do violão clássico no imaginário das pessoas. O que nem todos sabem é que no século XVIII e XIX já se utilizava e se buscava posturas diferentes. O espanhol Dionisio Aguado, nascido em 1784 e um dos compositores e intérpretes mais importantes do violão, desenvolveu um apoio chamado “trípode”, que você vê na imagem abaixo. Nada de violão na perna esquerda e apoio de pé!
Além disso, basta pensar no seguinte: se eu tocar Beatles com o violão na perna esquerda, a música passa a ser clássica simplesmente porque eu troquei de perna? Claro que não! O que define violão clássico/popular é o repertório que você vai tocar e a maneira como irá abordá-lo, tema discutido AQUI.
Postura com o instrumento é uma questão de saúde e eficiência técnica (alcançar um bom resultado mecânico com o menor desgaste/esforço possível). Não tem a ver com atitude, estilo musical, religião, ideologia política ou outra coisa qualquer. Enquanto você não se sentir confortável e com liberdade mecânica para executar músicas ao violão sem dores ou incômodos, sua busca por alternativas não pode parar. É a sua saúde que está em jogo!
A prova de que há alternativas
Para ilustrar o que estou dizendo, vou colocar a seguir uma seleção de vídeos de grandes violonistas clássicos que considero exemplos de músicos que encontraram uma boa postura – não agridem a própria saúde ao tocar e não demonstram dificuldades mecânicas. Você verá quantas possibilidades existem e espero que isso ajude a quebrar o mito de que só existe uma maneira certa. A ideia é nos afastarmos aos poucos do modelo tido como convencional (violão na perna esquerda, com o apoio de pé), em direção aos exemplos mais drásticos de soluções encontradas para a postura.
Como ponto de partida para tudo que se refere a violão clássico, o espanhol Andrés Segovia. Não que não houvesse tradição violonística consolidada antes dele, mas o fato é que tudo relacionado ao violão mudou após sua passagem pelo planeta. Somando-se a isso o fato de ser ele o primeiro grande intérprete do violão clássico registrado em áudio e vídeo de qualidade, o resultado é que o velho Segovia é a referência obrigatória no instrumento, inclusive para aqueles que pretendem se afastar de seu legado. Abaixo você o verá tocando magistralmente uma obra de Fernando Sor.
Repare como os ombros estão relaxados, a mão direita cai tranquilamente sobre o violão e o braço esquerdo viaja com leveza pela escala. Uma beleza!
David Russell é adepto da postura tradicional, como Segovia, mas reparem como seu violão fica bem mais alto e inclinado que o do mestre espanhol. Mesmo dentro de uma posição é possível chegar a inúmeras variações.
No vídeo abaixo, o grande João Carlos Victor toca com o violão sustentado por um apoio que o permite deixá-lo na mesma posição em que ficaria se fosse utilizado o apoio de pé, mas sem a necessidade de se erguer a perna esquerda. Isso é muio vantajoso: ao se erguer apenas uma perna, com o apoio de pé, inevitavelmente joga-se o peso do corpo para um só lado. Esse desequilíbrio é solucionado ao se usar o apoio do João (vejam como os dois pés ficam igualmente apoiados no chão. como se ele estivesse confortavelmente sentado sem o violão). É o tipo de apoio que passei a usar nos últimos anos, o Ergoplay! Ele permite inclinar o violão em todas as direções e é preso ao instrumento por ventosas.
Aqui o que é provavelmente o exemplo mais radical de mudança em busca de uma maneira confortável de tocar: Paul Galbraith. Alguma semelhança com o primeiro vídeo, do Segovia, a não ser o fato de ambos estarem relaxados em sua própria postura?
O brasileiro Everton Gloeden adotou postura parecida com a de Paul Galbraith, apesar de os acessórios serem diferentes. Novamente, fica claro que mesmo seguindo-se linhas gerais idênticas, o resultado prático pode sofrer variações ao se levar em consideração especificidades do corpo de cada músico.
Abaixo, o espanhol Ricardo Gallen tocando Bach (que até onde eu sei, não é um compositor popular, certo?), com o violão na perna direita! Não sei se é a postura mais indicada para tocar violão (eu não me sinto bem cruzando as pernas desse jeito), mas é um grande músico e não parece apresentar dificuldades técnicas por conta dela.
Existem inúmeros outros exemplos pelo youtube e nos festivais de violão (visite o mais próximo de você!). O que tentei mostrar aqui é que tocar violão clássico não depende de como você posiciona o seu instrumento, e sim da maneira como você pensa e encara as músicas que toca. Postura precisa ser pensada em função de sua saúde, acima de tudo. Converse com seu professor para encontrar a que melhor se adapta ao seu corpo e fuja das regrinhas prontas. Uma pessoa de 1,90m de altura provavelmente não irá tocar violão na mesma posição que alguém de 1,50m. Regras pré-estabelecidas só servem para gerar desconforto e frustração na hora de tocar.
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Interessante, também, saber que a pessoa pode, e talvez deva, mudar de posição durante a sessão. Pelo que entendi, ninguém é obrigado escolher uma posição boa e permanecer nela o tempo todo. Sou amador e cultivo prioritariamente repertório clássico, quando canso numa postura mudo para outra, depois volto para a preferida, mudo de novo… e assim vou indo, me divertindo muito.
Ótimo texto, obrigado André, maestro!
Fernando, obrigado pela mensagem.
Às vezes também faço isso: passo a maior parte do tempo tocando na perna esquerda, mas às vezes revezo na direita – em especial quando estou lendo alguma música nova, o que não exige um desempenho técnico muito alto, é um trabalho mais intelectual. O importante é lembrar que “violão clássico” tem a ver com o repertório e a maneira de abordá-lo, e não com a maneira de segurar o violão.
Abração!
Bem, estou tentando ainda encontrar uma posição confortável para mim. Pois tenha paraplegia e toco o violão na cadeira de rodas. Já comprei vários apoios para o violão, pois só posso tocar na perna direita visto que não posso colocá-lo entre as pernas ou na perna esquerda.
Agradeço demais pela ajuda,pois achava que eu jeito de tocar não era erudito, e com sua explanação percebi que sim , posso tocar erudito mesmo na cadeira de rodas.
Muito obrigado mesmo!!!!!
Nilson, fico contente demais com sua mensagem. A ideia do texto é apenas essa: quebrar mitos.
A partir daí, cada um deve buscar a solução que melhor funcione para si próprio. Seu caso, por exemplo, é bastante específico, mas já vi pessoas de cadeira de rodas tocando violão clássico.
Uma adaptaçãozinha aqui e outra ali e certamente irá funcionar. Boa sorte e qualquer coisa pode perguntar pra nós!
Quem acha não tem certeza! O autor confessou isso e nos orientou a desconfiar dele mesmo. É lamentável , pois aparenta a síndrome de Pilatos . Cadê a escola das virtudes : Justiça , Fortaleza , Prudência , Confiança , Temperança , Sabedoria , Certeza , Segurança …..
Olá, Marco Antônio. É exatamente essa a minha postura em relação ao estudo: recomendo a todos que mantenham a chama da dúvida acesa. Isso nos leva à busca por mais informação e, consequente, enriquecimento intelectual, sabedoria.
Você mesmo recomenda “Prudência”. É essa a virtude mais importante para quem lida com Música, além de Humildade diante de tão complexa matéria.
Contenha suas certezas e você irá longe em seu caminho musical. Desejo sucesso. Um abraço!
Parabéns pelo artigo.
Obrigado, Rangel!
Verdadeiramente, boa matéria esclarecedora sobre postura, tirou minhas duvidas voltei a estudar violão erudito e estava sem posição adequada para a execução do instrumento.
muito obrigado.
Parabéns !
Que bom que lhe foi útil, Valney! E seja bem-vindo de volta ao violão clássico. Abração
OЬviamente, faça Dó básico” para debutar, mas de quanto mais formas
você souber tocar, mais flexibilidade terá ao mudar
de uma nota a fim de outra.
Pⲟг intermédіߋ de um cᥙpão de aսla gratuito, lecionando consegսe fazer uma aula experimental com professor que quer
ⲣara desfrutar certeza que aquele é seu perfil ideal de lição.
Parabéns, ótimo artigo. Vou compartilhar com meu alunos, eu penso da mesma maneira que você. Mais uma vez ótimo trabalho e continuarei acompanhando seus artigos, me enriquece muito.
Obrigado por compartilhar, Bene! Fico feliz que esteja acrescentando a você, isso só serve de estímulo para que eu produza mais. Abração